desci agora
desci agora
aquele velho caminho
um íngreme, calcetado, caminho
e no longe
a marrafa arrumada com cabelos de metro
João o vendeiro da “Paz”
gordo rosado e corcundo,
a contar brindeiros com minúcia
debruçado sobre a cesta seca de vime
virado prá casa da “querida”
o “feiticeiro”, esse velho batido
serra o olho à desposada do “failita”
que vem farta e sempre bonita,
a meia ladeira, percorrendo as curvas da levada
de beiços pintados e decote perdido entre as carnes
conta João espera-te o padeiro
eu vejo-te aqui, no portão do “Ti Sousa”
de fronte pró paraíso plantado do “Alemão”
fumando um cigarro às escondidas
conta João tens o papo pendido
fica por aí eu volto logo
vou ver as raparigas na paragem
até me lavei, e vou de calções,
elas vêm de saia curta, dos “estanquinhos” e dos “salões”…
não contes mais, o padeiro só vem amanhã.
Um bom Madeirense sabe sempre, do que se trata quando com espanto nos olhos, expressado, se fala em ladeiras e caminhos íngremes, e mais Madeirense ainda é aquele que sabe onde começa o Caminho do Palheiro, nas redondezas do Funchal, mas com precisão lhes digo que no seu começo a montante da cidade.
Imaginem um rapazito que começa a pensar em ter uma rapariga para dar uns beijinhos e saber quantas curvas tem a dita, e que ainda precisa de fumar às escondidas um cigarro roubado ou cravado, aí pelos seus 12 anos, se bem me lembro. Fugiu de casa para esfumar uma beata e que quer ver as raparigas que vão fresquinhas e alvas para a escola pelo meio da manhã. Banho tomado e cabelos molhados, perfumadas e arranjadas até às orelhas…
O que eu sei é que adorei esse tempo de criança que queria crescer à força, mas como um menino que nem sabia o que pensava. Nessa ladeira o pouco que tinha, já, no seu começo era uma casa com um clube no Rés-do-chão e que nessa casa vivia um viúvo que adorava puxar do seu rapé para saborear um bafejo daquela coisa, o tal Ti Sousa, em frente a casa de um alemão que nem eu sabia se era alemão, mas que por características físicas, alto, olharento e de poucas falas e pálido como a cal, atribuiu-se essa alcunha. Um dia foi preso por posse ilegal de plantas que queimadas fazia rir muito. João era o vendeiro, era careca mas só quando o vento o deixava ver, porque o cabelo estava tão arrumado que parecia um turbante, um homem bom mas quando estava com os copos era um bom artista que contava anedotas “porcas”, como a da máquina de tirar leite a vacas, que um dia vos conto, foi o merceeiro que durante todos estes anos, até hoje, quando me vê me chama de “russo”, porque quando era menino, menino, menino era ruivo e sardento, para mal da minha boa postura como criança num seio de outras tantas que eram severas na chacota. Mas cá estou a lembrar o decote de farturas da mulher do “failita”, a ser cobiçado pelo “feiticeiro” e não só, mas isso um dia também vos conto, prometo. Um velho batido, e, tudo isto a esfumaçar às escondidas um cigarro que tanto me sabia bem, um BINGO GRANDE, ainda me lembro. Depois lá para o fim da manhã ia ver as raparigas, as benditas raparigas que na altura vinham de todos os lados e eram realmente todas bonitas.
Só para acabar, a “Querida” era uma mulher de voz rouca que adorava um bom copo de vinho no meio dos homens todos, no bar, com cheiro a bar, da mercearia. Tinha dez filhos e um dia desapareceu e nunca mais se soube nada dela. Quem sabe se de pais diferentes? Um andou comigo na escola. O Márcio.
Adorei…
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2007