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versejos livres

versejos livres

16
Fev07

desci agora

Lino Costa

desci agora

aquele velho caminho

um íngreme, calcetado, caminho

e no longe

a marrafa arrumada com cabelos de metro

 

João o vendeiro da “Paz”

gordo rosado e corcundo,

a contar brindeiros com minúcia

debruçado sobre a cesta seca de vime

virado prá casa da “querida”

 

o “feiticeiro”, esse velho batido

serra o olho à desposada do “failita”

que vem farta e sempre bonita,

a meia ladeira, percorrendo as curvas da levada

de beiços pintados e decote perdido entre as carnes

 

conta João espera-te o padeiro

eu vejo-te aqui, no portão do “Ti Sousa”

de fronte pró paraíso plantado do “Alemão”

fumando um cigarro às escondidas

conta João tens o papo pendido

 

fica por aí eu volto logo

vou ver as raparigas na paragem

até me lavei, e vou de calções,

elas vêm de saia curta, dos “estanquinhos” e dos “salões”…

não contes mais, o padeiro só vem amanhã.


Um bom Madeirense sabe sempre, do que se trata quando com espanto nos olhos, expressado, se fala em ladeiras e caminhos íngremes, e mais Madeirense ainda é aquele que sabe onde começa o Caminho do Palheiro, nas redondezas do Funchal, mas com precisão lhes digo que no seu começo a montante da cidade.

 

Imaginem um rapazito que começa a pensar em ter uma rapariga para dar uns beijinhos e saber quantas curvas tem a dita, e que ainda precisa de fumar às escondidas um cigarro roubado ou cravado, aí pelos seus 12 anos, se bem me lembro. Fugiu de casa para esfumar uma beata e que quer ver as raparigas que vão fresquinhas e alvas para a escola pelo meio da manhã. Banho tomado e cabelos molhados, perfumadas e arranjadas até às orelhas…

O que eu sei é que adorei esse tempo de criança que queria crescer à força, mas como um menino que nem sabia o que pensava. Nessa ladeira o pouco que tinha, já, no seu começo era uma casa com um clube no Rés-do-chão e que nessa casa vivia um viúvo que adorava puxar do seu rapé para saborear um bafejo daquela coisa, o tal Ti Sousa, em frente a casa de um alemão que nem eu sabia se era alemão, mas que por características físicas, alto, olharento e de poucas falas e pálido como a cal, atribuiu-se essa alcunha. Um dia foi preso por posse ilegal de plantas que queimadas fazia rir muito. João era o vendeiro, era careca mas só quando o vento o deixava ver, porque o cabelo estava tão arrumado que parecia um turbante, um homem bom mas quando estava com os copos era um bom artista que contava anedotas “porcas”, como a da máquina de tirar leite a vacas, que um dia vos conto, foi o merceeiro que durante todos estes anos, até hoje, quando me vê me chama de “russo”, porque quando era menino, menino, menino era ruivo e sardento, para mal da minha boa postura como criança num seio de outras tantas que eram severas na chacota. Mas cá estou a lembrar o decote de farturas da mulher do “failita”, a ser cobiçado pelo “feiticeiro” e não só, mas isso um dia também vos conto, prometo. Um velho batido, e, tudo isto a esfumaçar às escondidas um cigarro que tanto me sabia bem, um BINGO GRANDE, ainda me lembro. Depois lá para o fim da manhã ia ver as raparigas, as benditas raparigas que na altura vinham de todos os lados e eram realmente todas bonitas.

 

 

Só para acabar, a “Querida” era uma mulher de voz rouca que adorava um bom copo de vinho no meio dos homens todos, no bar, com cheiro a bar, da mercearia. Tinha dez filhos e um dia desapareceu e nunca mais se soube nada dela. Quem sabe se de pais diferentes? Um andou comigo na escola. O Márcio.

 

Adorei…

 

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2007

 

 

11
Fev07

engraxador

Lino Costa

 

peguei com as mãos

 

num jornal gasto

e pegaram-me umas mãos

de vaidade e gasto

 

o senhor engraxador

que tinha um trono de muitos reis,

no atrium dos restaurantes

e as suas mãos gastas,

 

jornal sujo de mãos aos pares

mãos de pares, tantos, sujos

um sustento com ciência

de aprumos vaidades e gasto

 

e conversa e folhas gastas

e meias-botas a reluzir

tudo numa certeza daquela ciência

de aprumo, arranjo e tanta certeza

 

falta puxar o lustro

por aquelas mãos vaidosas cientistas e gastas

e com elas as folhas quase gastas

e os pés num asseio brilhante

 

deixei o jornal no levante

e vaidoso, e limpo

deixei o pagar e uma graça

sujou as moedas e parti

 

Almada, 06 de Janeiro de 2007

11
Fev07

...

Lino Costa

não sei,

o me diz este rochedo do mar

que abre as portas até a boca do Kzar

Portugal seu nome mal amado

 

que descobris-te

e tudo perdes-te por medos e tostões

que lutas-te

e tudo deste cobarde e cruel

nas “colónias” do ultramar

 

 

portugal, portugal

bandeira de honra e patriar

de uns mandatários de somítica javardice

que nos crê num sonho do amanhã…

 

portugal não sei

as tuas mulheres estão de peito seco

e ventre num pecado

e teus homens estão sem norte

portugal, de ti, nada sei, não sei…

 

11
Fev07

...

Lino Costa

não me tenhas tirano

porque não sou, não

 

não sou esse quadro que pintas

com mascarras de negro

e arranhos da tua raiva

insolente, mulher fria tão insana

carente imensamente

daquilo que tudo tanto te dou

 

nem sou essa pedra lascada

abandonada na estrada do descaminho

de piçarra  abrilhantada

no meio de outra multidão gelada e dura

 

não me tenhas tirano

porque, assim, não sou não

 

um cruel, um rasgado papel

levado, como a folha, p’lo vento

sou a asa branca

que já viu este e o meu mundo

invertidos, vertidos com o sol e com rol

que razou a razia podre de uma maré de rio, vaza

 

inveja a feia inveja

de ti, mulher fraca, empobrecida

que nem a escondes deste teu tirano

nem da vida que te vê

 

não me tenhas por tirano

porque isso, não sou. não

 

 

Setúbal, 30 de Janeiro de 2007

11
Fev07

malditas estacas

Lino Costa

despe a tua alma

e diz-me, que ferida

é essa, que trazes tu ao peito

que todo se rasga com o teu coração ao vento

 

dúzias de vezes

te vi com a cara sofrida

sem saber em quantas assim estavas

dilacerada e tão dispersa

 

agora que a tenho nua

a caminho de um vazio interminável

suportarei o teu saramento

porque seria uma das tuas mortes o esvair da tua alma

 

alma, repisada alma, tão dolorida

que não viste os camuflados alçapões

com as estacas aguçadas

malditas estacas

 

vezes sem conta

te viste no vermelho de um aviso

no prender de um (re)pensamento

e agora, desnudas-te, para mim, esquartejada

 

 

Benavente, 24 de Janeiro de 2007

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