Por descer, concluí que deveria subir na ladeira e na remoção de poeiras que preenchem a tampa do meu baú de recordações.
Se bem se lembram falei-vos do Feiticeiro, um velho homem de olho azul que adorava cobiçar o decote da mulher do Failita. Essa mulher era e acho eu que continue a ser bonita, e era certo que fizesse chuva ou sol um decote bem arrojado ou uma transparência sempre fizeram parte das vestimentas dessa senhora. O certo é que nunca vos referi que o Feiticeiro era viúvo de Catarina do Telhados, se não fosse o meu irmão, Vítor, meu mano velho, a lembrar-me que a Catarina não ia achar muita piada nessa andança de olhares “rebarbados” por parte do Feiticeiro.
A Catarina do Telhados sempre, desde que me lembro, se apresentou de lenço na cabeça amarrado com dois nós no queixo. Sempre me assustou muito aquela figura, de andar desengonçado e com as pálpebras inevitavelmente anémicas, por uma causa muito comum no seio feminino madeirense de há quinze anos atrás, o vinho era uma constante para muitas mulheres e este era um caso de consumo diário e de certa embriaguez. Catarina tinha uma voz grosseira e era bruta no gesto, mas nunca ofendeu ninguém, nem mesmo regada em excessos. Asseguro-vos, que esta mulher era assumidamente alcoólica perante a sociedade mesquinha que normalmente circulava naquele conjunto de lugarejos, ao contrário de alguns casos omitidos e camuflados com reflexos de aparência e falsa postura, um conheci bem de perto infelizmente.
Mano velho, lembras-te ainda do Joel o artista da “unhinha” comprida, para limpara a orelha, que “acabou” atropelado ao sair do beco depois da casa do César, o veterinário. Esse artista uma vez embrenhou-se à unhada, pareciam gatos, com o feiticeiro. Coitado do Joel. Coitado do José Manuel, que acabou enlouquecido e que agora percorre as veredas e as ladeiras com um rádio de bolso a falar sozinho, sem saber que existe, e que se arrasta com aquele subsídio de invalidez mísero. Lá vão os tempos que aquele pátio da mercearia tinha duas rodas de “molhada” para pagar a rodada na tasca.
No fim lá foi o Eduardo Saldanha o magnata do “Fiat Tipo” a meio caminho do José e do João. Do Senhor Soares o dono do papagaio que tantas vezes pedi para dizer palavrões
O João do Vinho Seco era o “alombador”, tal como o Arlindo e por fim o José da Gaita, o pai, não o filho, o marido da Isabel dos Cagados, Mãe da Bela que casou com o Mário Moreno, da Paizita, do José marido da Eugénea, e do César e da Rafaela, esse rapariga que teve um episódio interessante no terreiro da minha mãe, num bidon ferrugento onde plantavamos pés de arruda e cravos, nem me quero lembrar do acontecido, que arrepio, a minha irmã lembra-se de certeza ela estava em cima do acontecimento, porra. Quando me convidavam para assistir às patuscadas e às sessões de punhetas da rapaziada mais velha ao fundo da ribeira do Caminho do Terço o César dos Cágados bebia sempre a água das salsichas, quer houvesse ou não punheta… cómico, talvez, mas seguramente acontecido. Coitada da Rafaela, meu Deus.
Tenho tanto para vos dizer e acho que vou propor ao meu irmão que me reavive e que partilhe comigo as coisas que não me lembro e que ele nunca esqueceu. Mano o que achas de colaborar? Não acredito que me digas que não.
O “alombador” era o Homem que “alombava” com as garrafas de gás e os cestos de compras que as pessoas pediam ao fim de semana e aos fins de mês garantidamente.
Nem sei mais o que vos dizer, vou prometo que vou contar a história de cada uma desta personagens e um dia quem sabe conto a minha… desculpem-me ser tão vago.
Atentamente
da Silva Costa